Ninon
de Lenclos é das figuras femininas talvez a mais notavel, na historia das
frivolidades.
Como ninguem ignora, porque toda a gente conhece Ninon de Lenclos, essa seductora
creatura, viveu encantando os do seu tempo com a graça da sua belleza,
durante um espaço de tempo mais longo que o normal.
Ninon de Lenclos foi joven, foi formosa, inspirou paixões convulsivas,
foi a mulher mais mulher de todas as mulheres que fazem parte da galeria frivola
da vida galante.
Ninon, por quem centenas de corações palpitaram de amor, possuia
o dom rarissimo de ser realmente sincera, dentro dos seus "cliffons".
Ella dizia ao seu novo apaixonado a mesma phrase que dissera aos outros: - Amo-o,
sim, amo-o muito. Estou cerca de que o amarei durante tres mezes.
E se o apaixonado lhe replicava que queria o seu amor, para sempre, ella respondia,
sempre com o mesmo sorriso: - E então, tres mezes não é uma
eternidade?
E Ninon, com o seu espirito bem mais sedutor que o seu rosto, inspirou as mais
celebres paixões durante dois reinados.
No de
Luiz XIII e no de Luiz XIV, porque Ninon de Lenclos iniciou-se muito joven, e
aos setenta annos inspirou ainda uma paixão tão profunda e ardente,
que o infeliz apaixonado morreu de amor, por não ser correspondido.
Entretanto não seria ella tão famosa quanto espirituosa, intelligente.
Saumaise, um dos homens do seu tempo, escreveu que ella realmente era bonita,
mas que se os seus apaixonados não tivessem senão olhado a sua belleza
physica, certos não teriam sido tão martyrisados pela paixão
que lhes incendiou o coração.
O seu espírito, dizia Saumaise, era muito formoso que o seu rosto. E foi
este espirito que prendeu tantas almas e lhe conservou o poder de seducção
durante tantos annos.
Pois Ninon, por ser no momento a mais notavel das mulheres bonitas, creou modas,
as mais extravagantes, sem mesmo pretender crear coisa alguma. Certa vez, estava
ella em grande phase amorosa com um gentil cavalheiro, que por sua vez morria
de amores por ella e tanto que louco de ciumes, atormentado pelo constante desejo
de vel-a, passou a morar em frente à casa que habitava a dona dos seus
dias.
O pobre homem, porém, não tinha um minuto de tranquilidade. E um
dia, tão grande foi o seu desejo de verificar se Ninon estaria só,
ou recebendo os galanteios de outro apaixonado, que, sem pensar, desatinado, sahiu,
pondo mesmo sobre a cabeça um jarro em lugar de chapeu e correu à
casa della... Ninon lia tranquillamente, recostada num divan.
O amoroso voltou feliz para casa, mais havia sido tão forte a sua tortura
ciumenta, que lhe sobreveiu uma febre altissima.
O servo, todo afflicto foi chamar. Ninon. E Ninon, ao ver tão
doente o homem que ella então amava intensamente, como prova
de amor, de dedicação, de sacrificio, cortou os cabellos,
ficando com os cachinhos encaracolados cahindo pela nuca, pela testa,
pelas orelhas.
Ora, o namorado de Ninon curou-se naturalmente. Mas Ninon, que iria
ella fazer agora, com os cabellos cortados, coisa gravissima naquelles
tempos de pernas e pyramides sob a forma de penteado?... Só
um recurso. Entrar para o convento. Pelo menos até que voltassem
os cabellos ao comprimento necessario e decente. E ficou assentado
que Ninon entraria para o convento.
E Anna d'Austria, então, decidiu que o convento fosse o das
Raparigas Arrependidas, ao que Ninon se recusou, por não ser
razoavel nem acertado, pois que ella não era nem "rapariga",
nem arrependida.
E resolvia afinal a não entrar em convento algum, Ninon resolveu
dar uma festa sumptuosa, para a qual convidou o que havia de mais
requintado no mundo aristocrata e intellectual da Paris de Richelieu.
E não faltaram à festa nem Moliére, nem Boileau,
nem La Rochefoucauld.
E Ninon appareceu aos convidados com os seus cachos negligentemente
dependurados, desordenados. E foi um grande acontecimento. As mulheres
acharam lindo o novo penteado, e toda Paris adoptou a "coiffure
à Ninon".
E de tal maneira se impunha à moda, a bella Ninon, que por
fim tudo se usava à Ninon: pós de arroz, "chiffons"
mangas, vestidos...
Teve origem então o penteado de cachos cahidos na nuca, descuidadamente,
moda que durou muitos annos. Até que um dia, uma aventura galante
de Luiz XIV modificou o penteado à Ninon.
O rei, como de costume fôra caçar javary... (era ironico
o rei Sol...) e á sua direita ia a duqueza de Fontanges, encantadora
creaturinha que muito encantava o monarcha. Eis que um golpe de vento
faz voar o chapéo da linda amazona. Ella, ao ver os seus cabellos
desmanchados, voando ao vento, vexada com o olhar do rei amoroso,
levantou a saia, tirou uma liga e com ella amarrou ao alto da cabeça
os seus corações, fazendo uma trunfa altisima.
O rei maravilhado com todos os movimento da Duquezinha, apaixonou-se
definitivamente, se é que ainda não estava totalmente
apaixonado...
As damas todas que se achavam na mesma caçada, adoptaram logo
o penteado improvisado pela bella favorita. E Paris toda passou a
usar o penteado "jontages", que permaneceu no programma,
durante uns trinta annos, até que nova estrella brilhou no
horizonte caprichoso da moda...
E desta vez foi a Duqueza de Srewsbury, uma dama da aristocracia ingleza,
que indo a uma recepção na Côrte exhibiu a sua
bella cabelleira cahindo em cachos nas costas, amarrando-os porém
na nuca para que o rosto fosse aureolado pelos bandós fartos.
Presos os cachos na nuca, depois cahiam pelas cosatas, não
juntos. Espalhados.
Conta-se que a formosa ingleza, que há não era joven,
mas notavel de belleza e elegancia, não conteve o seu espanto,
ao vêr as damas da côrte altissimos, subindo a uma altura
desproporcional. E então dissera:
- Que sêres extranhos! Têm a cabeça, do tamanho
da metade do corpo!
No dia seguinte todos os "fontanges", foram demolidos. E
a moda á Duqueza Srewsbury foi adoptada.
E assim têm origem todas as modas: caprichos de Ninon, de Fontanges,
e de Srewsbury.
Fonte: Jornal Folha de São Paulo
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