13 de janeiro de 2009

Couromoda dita conceitos de beleza para o inverno

Couromoda dita conceitos de beleza para o inverno



Discurso do Presidente Lula na
abertura da Couromoda 2009


“Companheiros e companheiras, eu ouvi atentamente os pronunciamentos das entidades representativas do setor calçadista do Brasil, ouvi atentamente o governador e o prefeito. Queria aproveitar esta minha primeira participação em um evento público em 2009 para ter uma conversa um pouco otimista com vocês. Otimista porque nós estamos vivendo um momento em que todo mundo já se deu conta do tamanho da crise, e todo mundo já se deu conta também de que, pela primeira vez, os países emergentes e os países pobres são vítimas das crises que nasceram nos países ricos.

Até alguns anos atrás, não faltavam representantes dos países ricos para dizer para a gente como é que a gente deveria fazer – como é que a gente deveria se levantar pela manhã, como é que a gente deveria se deitar à noite – como se tudo estivesse maravilhoso no mundo deles e no nosso mundo tudo estivesse errado.

O que aconteceu, exatamente, agora? Os países emergentes, sobretudo o Brasil, provaram ao mundo desenvolvido que em se tratando de seriedade, nós não devemos nada a ninguém. Quando eu olho um país desenvolvido como a Itália, e vejo que a Itália tem 105% do PIB a sua dívida pública – representa 105% do PIB a dívida pública italiana –; quando eu vejo os Estados Unidos, que representa 70% do PIB a sua dívida pública; e quando eu vejo o Brasil, que a gente estava em 52% e agora estamos em 35%, eu fico me perguntando “quem tem que dar lição a quem?”

Antes, quando éramos nós as vítimas da crise, não faltava FMI para dar conselho, não faltava Banco Mundial para dar conselho, não faltavam analistas econômicos estrangeiros para dizer o que a gente tinha que fazer. E agora que a crise está no cerne dos chamados países desenvolvidos, parece que as instituições que sabiam tudo quando a crise era aqui, não sabem nada quando a crise é lá, ou pelo menos não têm condições de dar – com a arrogância que davam aqui – os palpites que precisam ser dados.

Obviamente, nós temos clareza de que o presidente Obama está com um pepino muito grande, e nós sabemos – e tenho clareza de que ele também sabe – que ele não pode perder tempo para tentar tomar as medidas para resolver a crise americana. Como tenho clareza de que o Japão, a França, a Alemanha, todos os países que estão mais diretamente envolvidos na crise sabem que essa crise não pode perdurar por muito tempo porque, a perdurar por muito tempo, com a conseqüência de desempregos que vai acontecer exatamente nesses países, nós corremos o risco de uma convulsão social que o mundo desenvolvido não esperava que acontecesse no século XXI.

Portanto, o meu otimismo vem da mais absoluta confiança de que os maiores interessados em não permitir que essa crise perdure por muito tempo são os países ricos, porque construíram ao longo do século XX um outro grupo de países periféricos que dependem diretamente deles. Os Estados Unidos não têm que resolver apenas o problema dos Estados Unidos. É preciso resolver, conjuntamente, os problemas de centenas de países periféricos que dependem diretamente da economia americana. A Europa, a mesma coisa.

Aí é que entra o Brasil, numa situação que eu considero mais confortável. Eu sei que tem gente que não gosta desse meu otimismo, mas vejam, sou corinthiano, sou católico, sou brasileiro e ainda sou presidente do País. Então, há razão de sobra para eu ser otimista. Nós temos as nossas contas públicas equilibradas, nós temos a inflação equilibrada, nós temos um mercado interno com um potencial extraordinário, nós temos um povo ávido por consumir coisas que o mundo desenvolvido já consome há 50 anos e que muitos brasileiros não conseguiram consumir ainda, nós temos matéria-prima. Ou seja, nós temos um país muito mais arrumado do que qualquer outro, nesse instante, para enfrentar a crise.

O que nós precisamos é utilizar a nossa criatividade. Eu me lembro, em 2005, quando o setor calçadista estava em crise. Quando a gente conversava com um empresário mais otimista, ele dizia para a gente: “Olha, está difícil, o câmbio está muito complicado, mas nós vamos continuar investindo, vamos continuar fazendo não sei o quê”. Outro dizia: “Acabou. Vai acabar o setor calçadista no Brasil”. O que aconteceu três anos depois? Nós estamos mostrando, com esta Couromoda, o vigor deste segmento. O vigor que tem algumas empresas grandes, mas que tem, na sua base, milhares de pequenas empresas. Muitas vezes, um trabalhador fazendo sapato na cozinha da sua casa, gerando cidadania, gerando renda, gerando oportunidade de renda para milhões de pessoas neste país.

A verdade é que nós hoje, Serra, consumimos mais sapatos que o mundo europeu. A média per capita no Brasil é de 3,2 sapatos por pessoa, e lá é de 2,6, se não me falha a memória. Ao mesmo tempo, nós hoje exportamos menos para os Estados Unidos, não porque diminuíram as nossas exportações – elas continuam crescendo – mas o mercado se ampliou tanto que nós, hoje, em vez de exportar para 120 países, que exportávamos, estamos exportando para 146 países.

Eu me lembro de quando nós fomos a Dubai, não sei se alguém aqui foi comigo a Dubai. Nós gastamos 500 mil do Ministério - era o ministro Furlan, na época - para fazer uma feira, uma feira para mostrar os produtos brasileiros em Dubai. Vocês não imaginam o quanto nós fomos criticados pelos US$ 500 mil que nós gastamos para fazer a feira. E as pessoas que criticaram os US$ 500 mil nunca perguntaram para nós quanto é que nós ganhamos depois de aplicar os US$ 500 mil. Só no dia em que a gente estava lá, nós vendemos US$ 50 milhões em produtos nossos.

O otimismo não pode ser exagerado, muito menos o pessimismo. O que nós precisamos ter consciência é de que o Brasil e o governo, e eu tenho certeza de que os governos estaduais, eu tenho certeza de que os prefeitos das cidades mais importantes do País têm a responsabilidade, nesse instante, de fazer com que o Estado assuma o seu papel de não permitir que o mercado por si só tente resolver um problema que não vai resolver, porque é esse mercado livre que foi o causador dessa crise. A falta de regulação do setor financeiro internacional, sobretudo nos países mais ricos, sem nenhum controle - a ponto de bancos de desenvolvimento fazerem alavancagem de 35 vezes aquilo que era seu patrimônio líquido - é que levou à quebradeira que nós estamos hoje.

O governo tomou uma decisão e eu quero que vocês saibam disso. Primeiro, nós não queremos aquele discurso que de vez em quando aparece: “Tem uma crise aí, o governo precisa gastar o gasto, o governo tem que cortar o gasto, é preciso fazer contenção”. Não, nesse momento nós vamos dizer o seguinte: tudo o que for possível a gente cortar em custeio, não tenham dúvida de que nós vamos fazer. Mas tudo que for possível a gente colocar para gerar um posto de trabalho na construção civil, nas habitações, nas ferrovias, nas rodovias, nós vamos fazer. E eu tenho certeza de que esse é o compromisso do Serra, do Kassab, da Yeda, de todos os governadores. Porque se nós não tomarmos a iniciativa de fazer as coisas acontecerem nesse primeiro trimestre, aí sim, nós poderemos correr o risco de fazer com que a crise chegue aqui mais forte do que deveria chegar.

Eu estou extremamente otimista. E quando fiz aquele pronunciamento no dia 22 de dezembro, fazendo apologia do consumismo – eu, que trabalhei a vida inteira contra o consumismo – é porque eu tinha a clareza de que se nós não convencermos a sociedade brasileira de que a economia é uma roda-gigante, e que ela tem que estar girando sistematicamente para que ela possa continuar produzindo empregos, produzindo distribuição de renda e produzindo o crescimento do País, se a gente permitir...

Nós tomamos uma decisão na semana passada: não só compramos a Nossa Caixa, como compramos 50% do Banco Votorantim. Por quê? Porque o Banco do Brasil não tem expertise em financiar carro nenhum, muito menos carro usado. E este é um setor que, se não funcionar, a gente não vê as pessoas comprarem o carro novo, mesmo com a redução do IPI. Então, é preciso que alguém venda um carro para poder comprar outro. Nós compramos metade, 50%, do Banco Votorantim. Foi uma associação importante e o Banco do Brasil vai se preparar para que a gente possa financiar carro usado, para que a economia possa continuar girando normalmente.

Isso vale para vocês. Vocês estão lembrados de 2005, quando vocês tiveram uma crise muito séria, que nós criamos o FAT Giro Setorial. Parece que para o setor de calçados foi R$ 1 bilhão. Eram três os setores que nós tentamos atender: coureiro-calçadista, moveleiro e máquinas e equipamentos. Nós ajudamos e contribuímos para que o setor tomasse fôlego. O câmbio, que era um problema sério, está mais ou menos ajustado. O mercado que nós perdemos, eu sempre digo que vai depender de nós reconquistarmos. Mas também a gente não pode ficar brigando apenas por aquela parte que nós perdemos. Nós precisamos procurar onde nós ainda não entramos para entrar e criar novos nichos de oportunidade para nós.

Eu quero que vocês saibam que a minha alegria em vir a esta feira não poderia ser mais... maior motivo de felicidade. Primeiro, estamos começando o ano realizando uma feira que, segundo os organizadores, é a terceira feira do mundo nesse ramo. Estamos aqui com o Japão, com os Estados Unidos, com a Alemanha. Viram o sapato que eu ganhei, que é italiano, mas viram o brasileiro também, de Franca. Nós precisamos fazer com que aconteça exatamente aquilo que nós queremos que aconteça: vocês se fortalecerem.

Da minha parte, vocês sabem que eu não tenho nenhuma vergonha de ser garoto-propaganda dos produtos brasileiros. Quando o Bush veio aqui, ele não quis tirar fotografia perto de um carro da GM, porque ia ferir a Ford e um presidente americano não pode fazer merchandising. Comigo não tem isso. Me dê um produto brasileiro, que eu coloco na cabeça e vou vendê-lo onde for necessário vender.

Hoje o Brasil tem uma inserção internacional que eu acho que em nenhum outro momento da história nós tivemos. Hoje o Brasil tem a credibilidade que em nenhum outro momento nós tivemos, e cada vez fica mais evidente junto aos países ricos que o Brasil é o país que está melhor preparado para enfrentar essa crise. Nós temos alguns problemas domésticos que nós vamos resolver. Não posso dizer para vocês quais, porque em economia, quando a gente fala, aí a economia para, esperando solução. Vamos continuar fazendo a roda-gigante girar para a gente poder acreditar que esta Feira vai ser a cara do Brasil que a gente quer construir em 2009.

Por isso, eu quero terminar, não apenas desejando a vocês feliz Ano Novo, que por falta de educação eu não disse no começo, mas queria dizer para vocês que nós temos que construir 2009. Tem gente que fala “mas o Lula parece que gosta da crise”. Não, eu não gosto. Pelo amor de Deus, eu queria que o mar estivesse tranqüilo. Mas eu acho que o Brasil precisa tirar proveito dessa crise, e o Brasil precisa se preparar, porque quando essa crise acabar, quem estiver mais preparado leva o jogo.

Por isso é que eu tenho incentivado os empresários a continuar com os seus investimentos, por isso é que a dona Dilma tem a responsabilidade de não permitir que pare nenhuma obra do PAC. Pelo contrário, inventar novas obras importantes para o Brasil, descobrir novas necessidades do Brasil para que a gente faça os investimentos. Só posso dizer para vocês: não faltará dinheiro para investimentos. Parece duro um presidente do Brasil dizer “não vai faltar dinheiro”. Posso dizer para vocês: não vai faltar dinheiro para os investimentos. Se for necessário mais 20, mais 30, mais 40, não importa, nós vamos fazer, porque agora é a hora de o Estado provar, sem querer ser gestor, sem querer ser administrador, mas é a hora de o Estado provar que o mercado é muito importante, mas um Estado forte, indutor da economia e dos bons investimentos é importante para o Brasil e para qualquer país do mundo.

Eu espero que depois dessa crise econômica, na reunião que vamos fazer em Londres, no dia 2 de abril, os presidentes do mundo inteiro se convençam de que é preciso que a gente tenha um controle mais rígido do sistema financeiro, porque teve muita gente que ganhou muito dinheiro sem produzir um prego para colocar no sapato, sem produzir um cadarço, sem produzir um tênis, apenas com a especulação. O mundo não pode continuar assim. Qual é a explicação para o petróleo ter chegado a US$ 150 o barril, e agora estar a 47? Qual é a explicação, senão a especulação no mercado futuro? Qual é a explicação de a soja ter explodido em maio do ano passado? As commodities, como um todo? E despencarem, como despencaram agora? Qual é a explicação, senão a pura especulação?

Então, eu acho que quem quer especular, especule. Agora, o mercado futuro, Pratini de Moraes, tem que ter um certo controle. Um cidadão quer fazer investimento, deposita pelo menos uma quantia na hora para saber se o cidadão vai querer continuar especulando, ganhando dinheiro sem produzir nada. Ganhar dinheiro sem produzir nada é a mesma coisa que estar ganhando dinheiro numa roleta, num cassino em qualquer lugar do País. O que nós queremos é que o dinheiro seja ganho e que cada vez as pessoas ganhem mais, mas como resultado do crescimento da economia, do aumento da produção, da geração de empregos e da distribuição de renda. Esse dinheiro faz cidadania, esse enriquecimento faz justiça social. Fora isso, é especulação, e eu acho que essa crise veio para a gente poder consertar a economia mundial.

Um grande abraço, boa sorte, boas vendas, e vou dizer para vocês: contem comigo para o que der e vier, para a gente recuperar tudo aquilo que nós temos direito de ocupar no mundo, sobretudo contando com o apoio dos nossos amigos do Japão, dos Estados Unidos e – nos Estados Unidos, como eles têm o pé maior, eles podem comprar um sapato (falha na gravação) por um preço mais importante para nós – e da Alemanha.

O dado concreto é o seguinte: nós não temos que ter vergonha das coisas que nós fazemos. Eu acho que pode ter gente que faz melhor ou faz igual, mas eu duvido que o Brasil tenha medo de competir no setor de calçados com qualquer outro país do mundo. Miltinho, a qualidade é extraordinária e eu acho que o Brasil tem nichos extraordinários que a gente ainda não cuidou. Nós já temos, Serra, preço-referência, nós já temos uma referência de preço. Parece que é de R$ 15 ou uma coisa assim.

O dado concreto é o seguinte: nós exportamos US$ 15 bilhões para a China, e este ano vamos importar US$ 18 bilhões. O que nós precisamos é, nessa coisa de relação comercial, ter o cuidado para que não aconteça exatamente aquilo que todos nós não queremos que aconteça, que é, outra vez, cada um se fechar dentro do seu mercado e a gente atrofiar a abertura que nós conseguimos há muito tempo. O que nós precisamos é tomar cuidado para não permitir isso que o Serra disse aqui: um sapato a US$ 1 não existe. Mesmo que ele fosse produzir aquele pequenininho que o companheiro de Franca me deu, deve custar mais de US$ 1 se você tiver que pagar salário, férias, décimo-terceiro, aposentadoria. Deve custar um pouco mais. Então, nós precisamos tomar cuidado com isso, sem estabelecer a guerra do protecionismo, que isso vai prejudicar todos nós.

Que Deus ajude todos vocês, o Brasil, e que vendam todos os sapatos que produzirem. Sorte!